Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.167), a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que a audiência prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha (11.340/2006) tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. A realização só é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar, trazida aos autos antes do recebimento da denúncia.
Para o colegiado, não há como interpretar que a audiência mencionada no artigo 16 da Lei Maria da Penha seja destinada apenas à confirmação do interesse da vítima em representar contra seu ofensor, pois isso implicaria estabelecer uma condição de procedibilidade não prevista na lei.
Um dos recursos tomados como representativos da controvérsia trata da condenação de um homem em Minas Gerais por ameaçar sua companheira, crime cujo processo depende de representação da vítima, conforme o artigo 147 do Código Penal. A defesa recorreu da decisão, e o relator do recurso no TJ-MG entendeu, de ofício, pela nulidade do processo, diante da falta de designação da audiência prevista no artigo 16 da Lei 11.340/2006, que considerou obrigatória.
O Ministério Público recorreu ao STJ. Após o recurso ser qualificado como representativo de controvérsia, a Defensoria Pública da União se manifestou no processo, afirmando que “o poder público revitimiza a vítima ao submetê-la a uma audiência para confirmar a representação, oprimindo e questionando a sua própria vontade já manifestada”.
O relator dos recursos repetitivos, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, esclareceu que a discussão diz respeito apenas à hipótese de ações penais públicas condicionadas à representação, o que exclui os casos abarcados pela Súmula 542 do STJ.
O ministro observou que a intenção do legislador, ao criar a audiência a que se refere o artigo 16, foi minimizar a possibilidade de retratação pela vítima em virtude de ameaças ou pressões.
O relator destacou que questionar a vítima novamente sobre o seu interesse em representar contra o seu agressor pode, até mesmo, agravar seu estado psicológico, na medida em que coloca em dúvida a veracidade de seu relato inicial.
Segundo Reynaldo Soares da Fonseca, “não é raro a vítima estar inserida em um contexto de dependência emocional e/ou financeira”. Conforme ressaltou, tal circunstância leva a mulher a se questionar se vale a pena denunciar as agressões sofridas.
O relator, ao reafirmar que a audiência não pode ser designada de ofício pelo magistrado, destacou a necessidade de serem atendidas duas condições para a retratação: a primeira é a prévia manifestação da vítima, levada ao conhecimento do juiz, expressando seu desejo de se retratar; a segunda é a confirmação da retratação perante o magistrado, antes do recebimento da denúncia, em audiência designada para tanto.
Acompanhando o voto do ministro, a 3ª Seção cassou o acórdão que decretou de ofício a nulidade do processo a partir da denúncia, para que o julgamento em segunda instância prossiga com a análise das demais teses defensivas. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
REsp 1.964.293
REsp 1.977.547
Fonte: Conjur
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